STF valida medidas extrajudiciais do Marco Legal das Garantias.

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou, em julgamento virtual encerrado em 30 de junho de 2025, os procedimentos extrajudiciais previstos no Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023) para a recuperação de bens em casos de inadimplência contratual. A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Dias Toffoli, que considerou constitucionais os principais mecanismos da norma voltada à execução de garantias, como a consolidação da propriedade em alienações fiduciárias de bens móveis, a execução extrajudicial de créditos hipotecários e a execução da garantia imobiliária em processos de concurso de credores. Apesar da ampla validação, o STF impôs ressalvas importantes quanto às diligências de busca e apreensão extrajudicial de bens, exigindo que esses procedimentos respeitem os direitos fundamentais do devedor, como a inviolabilidade da vida privada, da honra e do domicílio.

A decisão representa uma vitória para o setor financeiro e para a agenda de desjudicialização do sistema jurídico brasileiro, ao permitir que instituições credoras possam reaver garantias de forma mais célere e eficiente, sem depender da morosidade judicial. No entanto, o Supremo deixou claro que a eficiência não pode ocorrer às custas de direitos constitucionais assegurados, como o devido processo legal, a ampla defesa e a dignidade da pessoa humana. O Marco Legal das Garantias, sancionado em 2023, foi construído com o objetivo de modernizar a legislação relacionada às garantias reais, especialmente em operações de crédito, trazendo dispositivos que ampliam o poder dos credores na execução de dívidas sem intervenção judicial, desde que cumpridas as exigências legais.

As novas regras foram questionadas por entidades como a União dos Oficiais de Justiça do Brasil (UniOficiais-Br), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Fenassojaf, que argumentaram que permitir a busca, apreensão e consolidação de bens por meio de serventias extrajudiciais representaria violação ao princípio da legalidade e à reserva de jurisdição. As associações também sustentaram que as normas impugnadas infringiriam o artigo 5º da Constituição Federal, ao possibilitar a perda de bens sem a devida garantia de defesa prévia e sem controle jurisdicional. Apesar disso, o voto de Dias Toffoli, vencedor por ampla maioria, ponderou que as medidas previstas na nova legislação estão em sintonia com a jurisprudência da Corte, que já havia validado anteriormente procedimentos similares previstos em legislações como a Lei nº 9.514/1997 e o Decreto-Lei nº 70/1966.

Toffoli ressaltou, contudo, que as diligências de busca e apreensão devem seguir uma interpretação conforme à Constituição, de forma a garantir a preservação dos direitos à vida privada, à honra, ao sigilo de dados e à inviolabilidade do domicílio. Segundo o ministro, o uso da força privada para retomada de bens não pode ser autorizado sem limites, e eventuais abusos devem ser corrigidos pelo próprio Poder Judiciário, que permanece acessível ao devedor como instância revisora e garantidora de direitos. A posição foi acompanhada por ministros como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

Dois votos destoaram do entendimento majoritário. A ministra Cármen Lúcia votou contra todos os dispositivos questionados, por entender que a execução extrajudicial sem controle judicial é incompatível com o princípio da propriedade privada e com a garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Para ela, não é possível autorizar a transferência forçada da posse ou da propriedade de bens sem a participação do Judiciário. Já o ministro Flávio Dino concordou com a maior parte da decisão, mas divergiu no ponto que permite a execução de garantias fiduciárias diretamente nos departamentos estaduais de trânsito, argumentando que tais órgãos não estão sujeitos a controle judicial e, por isso, não deveriam ser autorizados a conduzir esse tipo de procedimento.

Com a decisão, o STF confirma a constitucionalidade dos dispositivos centrais da nova legislação e sinaliza apoio à desjudicialização como instrumento de eficiência na recuperação de crédito, mas reitera que isso não pode comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. O recado da Corte é claro: a busca por agilidade nos processos de execução deve sempre caminhar ao lado do respeito às garantias constitucionais. Para o mercado de crédito, a decisão representa uma maior previsibilidade jurídica, com impactos positivos na redução de custos e na ampliação da oferta de financiamentos. Para os devedores, reforça-se o direito de contestar abusos e ilegalidades, mantendo o Judiciário como garantidor final da legalidade dos atos.

Diante desse novo cenário, torna-se fundamental que credores, instituições financeiras, cartórios e consumidores estejam atentos às exigências legais e constitucionais aplicáveis aos procedimentos de execução extrajudicial.