A Reforma Tributária brasileira, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023, avança agora para sua fase de regulamentação e promete transformar profundamente o sistema de arrecadação nacional. Embora o objetivo declarado seja a simplificação, neutralidade e transparência do modelo tributário, o setor de serviços, que representa aproximadamente 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, encontra-se entre os segmentos mais sensíveis às mudanças previstas.
Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o novo sistema busca substituir tributos como PIS, COFINS, ICMS, IPI e ISS. No entanto, especialistas já apontam três pontos críticos que podem gerar aumento da carga tributária, maior complexidade operacional e insegurança jurídica para empresas prestadoras de serviços.
1. Não cumulatividade e a exclusão da folha de pagamento do creditamento
Um dos pilares da nova estrutura é o princípio da não cumulatividade ampla, segundo o qual os tributos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva poderão ser creditados pelos contribuintes. Esse modelo é bastante eficaz em cadeias longas e complexas de produção industrial, onde há intensa aquisição de insumos, matérias-primas e equipamentos.
No entanto, empresas do setor de serviços possuem uma estrutura de custos muito distinta. A folha de pagamento representa, muitas vezes, a principal despesa dessas organizações, e ela não será passível de creditamento no novo modelo tributário. Isso cria um desequilíbrio estrutural: empresas industriais poderão compensar praticamente toda sua carga fiscal, enquanto prestadoras de serviços pagarão alíquotas efetivas muito mais elevadas, já que sua base de custos é formada por despesas não creditáveis.
Estima-se que, com a entrada em vigor das novas regras, a carga tributária para o setor de serviços possa saltar dos atuais 2% a 5% de ISS para alíquotas entre 25% e 28% de IBS/CBS cumulativamente, sem possibilidade de abatimentos significativos.
Especialistas sugerem alternativas como:
- Criação de creditamento presumido para empresas com baixa aquisição de insumos;
- Desoneração parcial da folha de pagamento;
- Tratamentos diferenciados para determinados segmentos de serviço com alto impacto social ou econômico.
2. Regimes específicos e a ameaça do retorno da complexidade tributária
Outro ponto de atenção na regulamentação da reforma é o surgimento de exceções e regimes específicos com alíquotas reduzidas. Embora o objetivo seja padronizar e simplificar a tributação, diversos setores já conquistaram, por força de articulação política, tratamentos favorecidos, como é o caso da educação, saúde, transporte público e até alguns subsetores da tecnologia.
Isso levanta dúvidas operacionais e jurídicas para prestadores de serviços multifuncionais. Por exemplo, uma empresa de tecnologia que desenvolve soluções educacionais será tributada com base na atividade fim (educação) ou pelo CNAE principal (tecnologia)? Como se dará o enquadramento?
A criação de muitas exceções tende a:
- Reintroduzir a complexidade no sistema;
- Elevar a alíquota padrão para os demais contribuintes;
- Criar distorções concorrenciais;
- Aumentar o risco de litígios tributários por divergência de interpretação.
3. Período de transição até 2033: sobreposição de tributos e riscos operacionais
A transição para o novo modelo está prevista para ocorrer ao longo de sete anos, iniciando em 2026 e se estendendo até 2033. Durante esse período, as empresas terão que lidar com a convivência simultânea entre o modelo antigo e o novo, o que exigirá um controle fiscal extremamente apurado. Confira o cronograma:
- 2026: Início da cobrança teste de IBS (0,1%) e CBS (0,9%), com compensação sobre PIS/Cofins.
- 2027: Extinção de PIS e COFINS e início da CBS com alíquota cheia. O ISS continua em vigor.
- 2029 a 2032: Redução gradual do ISS e aumento proporcional do IBS.
- 2033: Modelo antigo é extinto; somente IBS e CBS permanecem.
Durante essa transição, será essencial:
- Revisar planos de contas e parametrizações de sistemas ERP;
- Acompanhar de perto as publicações dos manuais da Receita Federal e dos fiscos estaduais e municipais;
- Ajustar a apuração dos tributos e as declarações acessórias;
- Realizar treinamentos constantes com as equipes contábeis e fiscais.
Além disso, o passivo tributário do ISS ainda gera controvérsias, especialmente nos casos em que há disputa entre municípios sobre o local de incidência (prestador ou tomador). A regulamentação deverá conter regras claras para solucionar esses litígios e garantir segurança jurídica ao contribuinte.
Conclusão: o papel estratégico de contadores, tributaristas e gestores jurídicos
A regulamentação da Reforma Tributária ainda está em andamento, e os próximos meses serão decisivos para definir o impacto real sobre os diferentes setores econômicos. No caso do setor de serviços, os riscos de aumento da carga, complexidade fiscal e insegurança jurídica são concretos.
Por isso, é essencial que profissionais da contabilidade e do direito tributário estejam atentos, participem das discussões públicas e ofereçam suporte estratégico aos empresários, tanto na interpretação das novas regras quanto na reestruturação fiscal das empresas.
A promessa de um sistema mais justo e eficiente pode se tornar realidade, desde que os ajustes necessários sejam feitos de forma técnica, transparente e equilibrada.