Comércio eletrônico B2B e B2C: O que muda com a Reforma Tributária?

A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025 representa um divisor de águas na tributação sobre o consumo no Brasil. Com a substituição dos tributos PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI por um modelo dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal, a nova legislação redesenha completamente o sistema de arrecadação e de distribuição tributária nacional.

No contexto do comércio eletrônico, os reflexos da reforma são particularmente expressivos e se desdobram de maneiras distintas para os modelos B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer).

Este artigo analisa os principais pontos da reforma e apresenta orientações práticas para empresas que atuam no setor digital, com foco nos riscos, oportunidades e necessidades de adaptação.

Comércio Eletrônico B2B: rumo à eficiência e à competitividade tributária

O modelo B2B, em que empresas vendem para outras empresas, tende a se beneficiar de forma significativa com a nova estrutura tributária, especialmente pela eliminação de distorções cumulativas e pela valorização de práticas empresariais mais eficientes.

1. Aproveitamento integral de créditos tributários

A reforma estabelece a não cumulatividade plena e irrestrita para o IBS e a CBS. Isso significa que toda a carga tributária paga ao longo da cadeia produtiva poderá ser creditada integralmente, inclusive sobre:

  • Bens de uso e consumo;
  • Serviços administrativos;
  • Insumos diversos que, até então, não geravam direito a crédito.

Esse novo regime de créditos corrige um dos principais gargalos do sistema atual, eliminando o resíduo tributário e promovendo uma maior neutralidade fiscal entre os diferentes setores da economia.

2. Revisão estratégica do Simples Nacional

Empresas B2B optantes pelo Simples Nacional precisam reavaliar sua permanência nesse regime. Apesar da simplicidade e da menor carga tributária nominal, o Simples limita o aproveitamento de créditos pelos adquirentes, tornando essas empresas menos atraentes para compradores corporativos, especialmente após a reforma.

Com o novo modelo, muitos clientes B2B irão priorizar fornecedores capazes de gerar crédito integral de IBS e CBS, o que pode levar empresas do Simples a migrar para o regime normal, mesmo diante do aumento da complexidade fiscal.

Essa decisão deve ser tomada com base em análises de viabilidade tributária, margens operacionais, e posição no mercado, sendo fortemente recomendada a assessoria jurídica especializada para esse processo.

3. Adequação tecnológica e compliance fiscal

O novo sistema demandará adaptações nos ERPs, controles internos e estrutura contábil das empresas, sobretudo para:

  • Processar corretamente os novos documentos fiscais eletrônicos (DF-e);
  • Atender aos requisitos do regime de split payment;
  • Cumprir as obrigações acessórias exigidas pelos entes federativos;
  • Operar em regime de transição até 2032, quando conviverão normas antigas e novas em diferentes proporções.

A automatização tributária e a revisão dos sistemas de gestão se tornam não apenas recomendáveis, mas essenciais para evitar autuações e manter a competitividade no ambiente digital.

Comércio Eletrônico B2C: um novo marco de responsabilidade e transparência

Para empresas voltadas à venda ao consumidor final, os efeitos da reforma também são expressivos, mas envolvem desafios mais operacionais e regulatórios, com foco na liquidez, estrutura de preços e responsabilidades compartilhadas.

1. Split payment e impacto no fluxo de caixa

O modelo de split payment, introduzido pela Lei Complementar 214/2025, impõe o recolhimento automático de IBS e CBS no momento do pagamento. Isso altera profundamente o modelo financeiro das empresas, que passam a não receber o valor bruto da venda, uma vez que os tributos são direcionados diretamente à Fazenda Pública.

Esse novo cenário exige:

  • Revisão da política de preços e margens;
  • Planejamento financeiro mais robusto;
  • Reavaliação do capital de giro disponível.

Empresas que operam com grandes volumes e margens apertadas precisam se reorganizar rapidamente para manter sua sustentabilidade.

2. Responsabilidade solidária das plataformas digitais

Um dos pontos mais sensíveis da reforma é a responsabilização das plataformas digitais, marketplaces, aplicativos de delivery, plataformas de serviços, pelo recolhimento dos tributos das operações que intermediam.

De acordo com o art. 22 da LC nº 214/2025, plataformas passam a ter responsabilidade solidária quando:

  • Processam os pagamentos;
  • Controlam o conteúdo ou os termos da venda;
  • Determinam aspectos logísticos ou operacionais da transação.

Além disso, devem prestar informações detalhadas às autoridades fiscais sobre cada operação intermediada, incluindo dados dos fornecedores, valores e tributos incidentes.

Para plataformas estrangeiras, a nova regra exige:

  • Inscrição nos cadastros da CBS e do IBS no Brasil;
  • Indicação de representante fiscal domiciliado no país.

Essa estrutura aumenta a transparência do sistema, mas também exige alto grau de compliance, controle de dados e coordenação entre jurídico, fiscal e tecnologia.

3. Desoneração de nanoempreendedores

A legislação também inovou ao criar a figura do nanoempreendedor, pessoa física com receita bruta anual inferior a R$ 40.500. Essa categoria estará isenta do IBS e da CBS, o que representa uma tentativa de proteger pequenos vendedores e incentivar a formalização de trabalhadores informais.

Plataformas digitais deverão ser capazes de identificar corretamente esses operadores para aplicar o tratamento tributário adequado. Caso contrário, correm risco de assumir a responsabilidade fiscal pelas transações isentas.

Conclusão: preparar-se é mais do que necessário, é estratégico

Mais do que uma simples substituição de tributos, a Reforma Tributária representa uma mudança profunda de paradigma: abandona-se a guerra fiscal e a cumulatividade, e avança-se para um sistema baseado na neutralidade, na simplicidade e na eficiência.

No comércio eletrônico:

  • O B2B ganhará eficiência, mas exigirá decisões estratégicas sobre regime tributário, tecnologia e reorganização interna;
  • O B2C enfrentará novas regras operacionais, exigências de compliance e adaptação à realidade do split payment e das responsabilidades digitais.

É fundamental que empresas do setor comecem agora a estruturar planos de transição tributária, reavaliem contratos, revisem seus sistemas e busquem suporte jurídico para acompanhar essa evolução legislativa com segurança.