A reforma tributária brasileira prevê substituir ICMS, ISS, PIS e COFINS por um IVA dual, composto pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, de competência estadual/municipal) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal), com um sistema de tributação não cumulativa, alíquotas destacadas e crédito fiscal amplo.
Mais do que uma mera mudança de alíquotas, a reforma representa uma transformação estrutural na lógica econômica e contábil das empresas.
Atualmente, a complexidade, a cumulatividade e a insegurança jurídica do sistema tributário levam muitas empresas a incluir uma “gordura tributária” nos preços — uma margem de proteção contra riscos de autuação, perda de créditos fiscais e dificuldades operacionais. Esse comportamento distorce a formação de preços, encarecendo produtos e serviços, especialmente em mercados menos concorrenciais ou com demanda inelástica.
A proposta da reforma visa corrigir essas distorções, promovendo maior transparência na precificação e exigindo uma readequação contábil profunda, com destaque para o controle rigoroso de créditos fiscais e a adaptação de processos internos para garantir conformidade e eficiência no novo modelo tributário.
Conformidade Contábil e as Normas IFRS na Reforma Tributária
A adoção do novo regime tributário com a implementação do IBS e da CBS exige que as empresas revisem suas práticas contábeis para alinhamento com as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS), representadas no Brasil pelos CPCs.
- CPC 00 (Estrutura Conceitual): Estabelece que os créditos de IBS/CBS se enquadram no conceito de ativo e devem ser reconhecidos no balanço patrimonial como direito de crédito fiscal.
- IFRS 15 (CPC 47): Determina que a receita deve ser apresentada líquida dos tributos sobre consumo. Apesar de as empresas poderem manter controles internos sobre a “Receita Bruta Tributável”, a demonstração de resultado deve refletir apenas a contraprestação efetiva recebida.
- IFRS 18 (substituta da IAS 1): Reforça a apresentação líquida das receitas e exige maior clareza, transparência e comparabilidade na classificação de receitas e despesas. IBS e CBS não compõem a receita bruta, por serem tributos arrecadados em nome do Estado.
- CPC 09 (Demonstração do Valor Adicionado): Enfrenta um desafio técnico: decidir se incluirá ou não o IBS/CBS na receita bruta. Espera-se que o CFC e o CPC emitam orientações específicas sobre esse ponto.
- IAS 2 (CPC 16) – Estoques: Mantém a regra de que tributos não recuperáveis integram o custo dos estoques. Com a não cumulatividade ampliada, a tendência é que IBS e CBS sejam, na maior parte dos casos, recuperáveis — reduzindo o custo tributário dos estoques.
- CPC 03 (R2) – Demonstração dos Fluxos de Caixa: Determina que os fluxos operacionais devem refletir apenas recursos pertencentes à empresa. IBS e CBS, como tributos de terceiros, não integrarão o fluxo de caixa operacional líquido.
Em síntese, a nova estrutura fiscal exige um alto grau de conformidade contábil, respeitando a essência econômica das transações, a neutralidade tributária e a fidedignidade na representação contábil.
O Desafio da Contabilização em 2026: Controle e Conformidade sem Impacto Financeiro
Com a Lei Complementar nº 214/2025, o ano de 2026 apresenta um desafio inédito: o IBS e a CBS terão fatos geradores com alíquotas simbólicas (0,1% e 0,9%, respectivamente), mas o recolhimento será dispensado mediante o cumprimento de uma obrigação acessória, possivelmente vinculada à nova nota fiscal eletrônica.
O dilema contábil reside no seguinte: embora haja fato gerador, não existirá um passivo financeiro efetivo, inviabilizando o reconhecimento contábil desses tributos como obrigação exigível. Conforme os CPCs, passivo só existe quando há obrigação presente com saída futura de recursos.
A solução proposta é o uso de Contas Patrimoniais de Controle, que não impactam o resultado nem o patrimônio líquido. Essas contas permitem monitorar e evidenciar o cálculo teórico dos tributos e sua dispensa, funcionando como ferramenta de controle gerencial, assegurando transparência, auditoria e preparação para o regime definitivo, sem distorcer as demonstrações financeiras oficiais.
Essa abordagem garante conformidade e preparo para a fase de transição, diferenciando claramente os registros contábeis tradicionais dos controles auxiliares.
Considerações Finais sobre os Impactos Contábeis da Reforma Tributária
A reforma tributária sobre o consumo marca o início de uma nova era para a contabilidade empresarial no Brasil. A principal mudança é a migração dos tributos sobre o consumo do resultado (DRE) para o balanço patrimonial, com destaque “por fora” e regime de não cumulatividade plena, proporcionando maior neutralidade fiscal e precisão na precificação.
Nas demonstrações financeiras, o novo modelo promove:
- Transparência: Créditos tributários como ativos, tributos a recolher como passivos.
- Fidedignidade: Receitas líquidas que refletem melhor a realidade operacional.
- Eficiência econômica: Cadeia produtiva desonerada e repasse do ônus tributário ao consumidor final.
A reforma exige também modernização contábil, reestruturação de processos, investimento em tecnologia e capacitação de equipes. Empresas que se anteciparem à adaptação e buscarem suporte técnico especializado estarão mais preparadas para mitigar riscos e extrair valor estratégico do novo sistema.
Espera-se, ainda, a emissão de orientações técnicas adicionais por órgãos como o CFC e o CPC, especialmente quanto à DVA e ao conceito de Receita Bruta na era do IVA.
O momento requer ação imediata. Empresas que transformarem seus dados fiscais em inteligência contábil estratégica ganharão em eficiência, valor de mercado e credibilidade.
Como sua empresa está se preparando para enfrentar e aproveitar essa transformação tributária sem precedentes?