Hospitais poderão abater dívidas tributárias prestando serviços ao SUS.

A transação tributária, instrumento jurídico-fiscal consolidado desde 2020, passa a desempenhar um novo papel estratégico no Brasil. Agora, será utilizada como pilar de sustentabilidade financeira do programa federal “Agora Tem Especialistas”, lançado pela Medida Provisória nº 1.301/2025. O objetivo do programa é reduzir as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) para exames, consultas e cirurgias de média e alta complexidade.

Para viabilizar essa meta, o governo federal estruturou uma solução inovadora: hospitais privados e filantrópicos com débitos tributários poderão utilizar a transação tributária para obter regularidade fiscal e, em seguida, converter os serviços prestados ao SUS em abatimento de dívidas com a União.

Como funcionará o programa na prática?

O programa prevê o credenciamento de hospitais que tenham interesse em prestar serviços ao SUS, mesmo que possuam dívidas tributárias federais. A adesão ocorrerá em duas etapas principais:

  1. Triagem no Ministério da Saúde, que avaliará a capacidade do hospital de atender à demanda da rede pública;
  2. Análise de regularidade fiscal pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que permitirá o ingresso do contribuinte no programa por meio da transação tributária por adesão, através do portal Regularize.

Essa modalidade de transação oferece parcelamento alongado, descontos expressivos sobre multas e encargos legais e, em alguns casos, redução de até 70% sobre o valor principal da dívida. Os pagamentos poderão ser realizados em até:

  • 145 meses, para Santas Casas, cooperativas e entidades da sociedade civil;
  • 120 meses, para os demais hospitais.

Inovação na forma de pagamento: serviços públicos em troca de dívidas

A grande novidade está na possibilidade de usar os serviços prestados ao SUS como forma de amortização das dívidas tributárias. A partir de janeiro de 2026, cada exame, consulta ou cirurgia realizada no âmbito do programa gerará créditos financeiros certificados pelo Ministério da Saúde, que poderão ser levados à PGFN para abater parcelas da transação ou outros tributos vencidos.

Se, por exemplo, o hospital realizar atendimentos que gerem um valor superior ao da parcela mensal devida, o excedente poderá ser usado para quitar débitos tributários ordinários.

Essa modelagem transforma a dívida pública em investimento direto em saúde pública, promovendo o acesso da população a atendimentos especializados e permitindo que o contribuinte regularize sua situação fiscal sem comprometer sua sustentabilidade financeira.

Condições vantajosas para adesão imediata

Os hospitais que aderirem ao programa ainda em 2025 terão condições especiais:

  • Parcelas iniciais reduzidas até janeiro de 2026, com valor mínimo de 0,3% sobre o total da dívida (após os descontos);
  • Garantia de manutenção dessas condições para adesões realizadas até outubro de 2025.

Além disso, o programa prevê um prazo de seis meses de inadimplência para que um hospital seja excluído da transação, um período mais flexível do que o praticado em outros programas de regularização.

Impacto fiscal e social

Segundo dados da PGFN, há hoje cerca de 3 mil hospitais e clínicas no país com dívidas que somam mais de R$ 34 bilhões. A expectativa do governo é que muitos desses estabelecimentos se interessem pela proposta, tanto pelas condições vantajosas quanto pelo incentivo de retorno ao mercado formal com capacidade plena de operação.

A estimativa é de que até R$ 2 bilhões em créditos tributários sejam convertidos em serviços de saúde em 2026, sem comprometer o teto fiscal da União. Esse modelo também evita os riscos observados em programas como o PERSE (setor de eventos), que esgotaram rapidamente seus limites orçamentários.

Segurança jurídica e previsibilidade

A transação tributária por adesão é um mecanismo amparado pela Lei nº 13.988/2020, que autoriza a União, por meio da PGFN, a negociar débitos tributários com base na capacidade de pagamento do contribuinte. Ao longo dos últimos anos, essa ferramenta tem sido amplamente utilizada por empresas e pessoas físicas para a regularização fiscal com segurança jurídica, sendo celebrados mais de três milhões de acordos desde sua regulamentação.

No contexto do novo programa, a PGFN garante que os termos das transações serão publicamente definidos e aplicáveis de forma padronizada, conferindo previsibilidade e transparência às instituições interessadas.

Conclusão: um novo capítulo para o direito tributário com impacto direto na saúde pública

A utilização da transação tributária como motor de financiamento de serviços de saúde representa uma inovação significativa na gestão fiscal e social do país. Trata-se de uma medida que promove a função social da arrecadação tributária, ao conectar diretamente o crédito tributário à prestação de serviços públicos essenciais.