Em decisão de extrema relevância para o setor produtivo e para o ambiente de segurança jurídica tributária no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que qualquer alteração nas alíquotas do Reintegra, Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras, somente pode entrar em vigor 90 dias após a publicação do respectivo decreto. A decisão, tomada em plenário virtual e com repercussão geral reconhecida, impacta diretamente o planejamento fiscal de empresas exportadoras em todo o país.
O que é o Reintegra?
O Reintegra foi criado originalmente pela Lei nº 12.546/2011 e reinstituído pela Lei nº 13.043/2014 com o objetivo de devolver parte dos tributos residuais embutidos na cadeia de produção de bens exportados. Trata-se, portanto, de um incentivo fiscal de caráter desonerativo que visa estimular a competitividade da indústria brasileira no comércio internacional.
O benefício consiste na possibilidade de crédito de valores calculados sobre a receita de exportação, que podem variar entre 0,1% e 3%, conforme definidos em decreto presidencial.
Entretanto, ao longo dos anos, o percentual de devolução sofreu alterações frequentes, com sucessivos cortes por meio de decretos, como:
- 2015: corte de 3% para 1%;
- 2017: aumento para 2%;
- 2018: nova redução para 0,1%, patamar que permanece vigente.
Essas mudanças repentinas geraram grande insegurança jurídica no setor exportador, pois impactavam diretamente a margem financeira das empresas, sem tempo hábil de adaptação.
A controvérsia levada ao STF
A discussão no Supremo se deu no Recurso Extraordinário nº 1.285.177, com relatoria do ministro Cristiano Zanin. A principal questão era: qual o prazo mínimo que deve ser respeitado entre a publicação de um decreto que reduz a alíquota do Reintegra e sua entrada em vigor?
O argumento das empresas exportadoras era de que tais mudanças representavam um aumento indireto da carga tributária, uma vez que reduziam o valor que as empresas teriam a receber de volta. Portanto, esses atos deveriam obedecer o princípio da anterioridade, previsto na Constituição Federal.
Anterioridade: anual ou noventena?
A Constituição estabelece duas regras principais sobre anterioridade:
- Anterioridade anual (art. 150, III, “b”): o tributo só pode ser cobrado no exercício seguinte ao da publicação da lei.
- Anterioridade nonagesimal (noventena) (art. 150, III, “c”): o tributo só pode ser cobrado 90 dias após a publicação da norma.
O STF, por maioria de votos (8 a 3), decidiu que a noventena é a regra aplicável nos casos de majoração indireta da carga tributária decorrente da redução de incentivos fiscais, como no caso do Reintegra. Assim, afastou-se a aplicação da anterioridade anual nesse tipo específico de situação.
O voto do relator, ministro Cristiano Zanin, foi seguido pela maioria, com base em precedentes da Corte, como os julgamentos das ADIs 6040 e 6055, e do Tema 1.383 da repercussão geral.
Efeitos práticos da decisão
A decisão do STF tem efeitos vinculantes e deve ser seguida por todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Isso significa que:
- Alterações nas alíquotas do Reintegra só poderão entrar em vigor após 90 dias da publicação do decreto.
- Empresas exportadoras poderão buscar a restituição de valores indevidamente deixados de receber durante os 90 dias seguintes à edição dos decretos de 2015 e 2018, por exemplo.
- A União não poderá exigir valores de forma imediata após reduzir o benefício, evitando impactos financeiros bruscos nas empresas.
Impacto fiscal para a União
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 previa um impacto de até R$ 4 bilhões caso o STF reconhecesse a aplicação da anterioridade anual. Com a decisão pela noventena, o impacto será menor, porém ainda relevante, especialmente com a possibilidade de empresas ingressarem com pedidos administrativos ou ações judiciais para reaver valores dos últimos cinco anos (observando-se o prazo prescricional).
O que fazer agora? Orientações práticas
Com a decisão do STF, é fundamental que empresas exportadoras e profissionais da contabilidade adotem medidas proativas para assegurar o correto aproveitamento do benefício fiscal e avaliar oportunidades de recuperação de valores:
- Revisar apurações realizadas nos 90 dias após os decretos de 2015 e 2018;
- Organizar documentação fiscal e contábil dos períodos;
- Analisar viabilidade de pleitos administrativos ou judiciais;
- Incluir o entendimento do STF no planejamento tributário das exportações.
Segurança jurídica e limites ao poder do Executivo
Essa decisão do STF também representa um marco ao limitar o poder do Executivo de modificar, via decreto, regras fiscais que afetam diretamente o setor produtivo, sem conceder tempo razoável de transição.
A exigência da noventena traz mais previsibilidade, estabilidade e respeito à boa-fé do contribuinte, pilares fundamentais para um ambiente de negócios saudável e atrativo a investimentos.
Conclusão: uma vitória para a previsibilidade fiscal
A decisão do STF sobre o Reintegra reafirma a importância da anterioridade nonagesimal em casos de majoração indireta de tributos e fortalece o princípio da segurança jurídica.
Para as empresas exportadoras, trata-se de um precedente valioso, que não apenas possibilita a recuperação de créditos passados, mas também confere maior estabilidade para o planejamento de operações futuras.