STF confirma entendimento do STJ sobre ICMS na energia elétrica.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que a controvérsia envolvendo a inclusão das tarifas de uso dos sistemas de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) de energia elétrica na base de cálculo do ICMS não possui natureza constitucional. Dessa forma, prevalece o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece a legalidade da cobrança do imposto estadual sobre esses componentes da fatura de energia.

Contexto da discussão

A controvérsia teve início a partir de interpretações divergentes sobre o alcance do artigo 2º, inciso II, e do artigo 13 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), que disciplina a incidência do ICMS sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços, incluindo a energia elétrica. Os contribuintes defendem que o imposto deve incidir apenas sobre a energia efetivamente consumida, excluindo-se os valores relativos às tarifas de transmissão e distribuição, que seriam meros encargos vinculados à logística do fornecimento.

Por outro lado, os Estados e o Fisco sustentam que essas tarifas compõem o valor total da operação mercantil e, portanto, devem ser incluídas na base de cálculo do imposto. Essa interpretação é amparada pela noção de que a operação de fornecimento de energia elétrica é um serviço contínuo, cujo valor total engloba a energia, a transmissão e a distribuição até o ponto de consumo final.

Histórico da jurisprudência

Durante anos, o STJ oscilou entre decisões favoráveis e desfavoráveis aos contribuintes. Até 2017, prevaleciam precedentes que reconheciam o direito de excluir TUST e TUSD da base do ICMS. A partir daquele ano, no entanto, o Tribunal passou a formar jurisprudência em sentido contrário, culminando no julgamento do Tema 986 dos recursos repetitivos em 2024, ocasião em que se firmou tese contrária aos contribuintes.

Além disso, o STJ decidiu modular os efeitos da decisão, limitando o direito de restituição e exclusão da base de cálculo apenas aos contribuintes que possuíam decisões judiciais favoráveis até 27 de março de 2017. Essa modulação gerou grande controvérsia, especialmente por excluir da proteção jurisdicional contribuintes que, mesmo tendo ajuizado ações, não haviam obtido decisões até a referida data.

A tentativa de reverter o entendimento no STF

Com a consolidação do entendimento no STJ, as empresas passaram a recorrer ao Supremo, buscando a rediscussão da matéria sob a perspectiva constitucional. O argumento central era de que a definição da base de cálculo do ICMS, por envolver princípios como legalidade tributária, seletividade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, possui nítida densidade constitucional.

A expectativa de reexame se fortaleceu após decisão liminar proferida pelo ministro Luiz Fux na ADI 7195, que suspendeu os efeitos da Lei Complementar nº 194/2022 — norma aprovada pelo Congresso Nacional com o objetivo de excluir expressamente as tarifas TUST e TUSD da base de cálculo do ICMS. Na ocasião, Fux apontou indícios de inconstitucionalidade na atuação do legislador federal, por supostamente invadir a competência dos Estados em matéria tributária.

Apesar disso, no recente julgamento realizado no Plenário Virtual do STF, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que a controvérsia é estritamente infraconstitucional, pois envolve a interpretação da Lei Complementar nº 87/1996, em sua redação anterior à LC nº 194/2022. Seu voto foi acompanhado por todos os ministros da Corte.

Barroso destacou que não houve questionamento sobre a constitucionalidade do artigo 3º, inciso X, da Lei Kandir, o que afastaria a necessidade de intervenção do STF. Com isso, a Corte reafirmou sua jurisprudência de que temas relacionados à definição da base de cálculo do ICMS em operações específicas — desde que não envolvam questionamento direto à Constituição — devem ser resolvidos pelo STJ.

Impactos práticos da decisão

A decisão do STF consolida um cenário adverso para os contribuintes no que diz respeito à tributação de energia elétrica. Na prática:

  • Contribuintes que não obtiveram decisão judicial favorável até 27/03/2017 não poderão excluir TUST e TUSD da base de cálculo do ICMS.
  • Empresas com ações em andamento ou ajuizadas após essa data também não poderão se beneficiar da tese, mesmo que tenham contestado judicialmente a cobrança há anos.
  • A decisão do STF frustra a possibilidade de rediscussão constitucional da matéria e reforça a segurança jurídica do entendimento firmado pelo STJ.

Perspectivas futuras

Apesar da derrota no STF, advogados tributaristas que atuam no caso já anunciaram que irão interpor embargos de declaração, apontando inconsistências conceituais e decisões anteriores do próprio Supremo que indicariam a existência de matéria constitucional na definição da base de cálculo do imposto. Um dos argumentos será justamente a incompatibilidade entre a decisão recente e a posição adotada por Fux na ADI 7195, que reconheceu, ainda que em sede liminar, a possível inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 194/2022.

Além disso, para o período posterior à vigência da LC nº 194/2022, há espaço para novos debates. Como o STF reconheceu o caráter infraconstitucional da matéria, especialistas apontam que a norma aprovada pelo Congresso (que exclui TUST e TUSD da base do ICMS) deve prevalecer integralmente. Nesse caso, contribuintes podem buscar o reconhecimento da não incidência do imposto sobre as tarifas a partir da promulgação da nova legislação, inclusive com ações visando à restituição de valores pagos indevidamente após essa data.

Conclusão

A decisão do STF representa um importante marco na jurisprudência tributária envolvendo a energia elétrica e impõe limites claros para os contribuintes quanto à possibilidade de exclusão das tarifas de transmissão e distribuição da base de cálculo do ICMS. Ao mesmo tempo, reacende o debate sobre a competência do legislador federal na definição de regras que afetam a arrecadação estadual, especialmente após a edição da LC nº 194/2022.

Nosso escritório acompanha de perto o desdobramento dessa matéria e permanece à disposição para orientar empresas sobre os efeitos da decisão, bem como avaliar estratégias jurídicas aplicáveis a cada caso, especialmente no que se refere à vigência e aplicação da Lei Complementar nº 194/2022.