O direito à celeridade na inscrição da dívida ativa

O advento de novos instrumentos legais voltados à solução de conflitos tributários, materializados, fundamentalmente, nos institutos do negócio jurídico processual e da transação tributária, têm provocado sensíveis alterações na forma de relacionamento entre Fisco e contribuinte, ocasionando a redução da litigiosidade fiscal, a distância relacional entre os sujeitos (ativo e passivo) tributários, bem como alterando os rumos dos processos executivos fiscais. O negócio jurídico processual, cujo regime jurídico consta do artigo 190 e seguintes do Código de Processo Civil, quando aplicado aos litígios de cunho tributário, constitui um importante instrumento de promoção da efetividade do processo de realização do crédito tributário, já que admite às partes litigantes, Fisco e contribuinte, realizar concessões mútuas sobre o procedimento segundo as especificidades do processo de cobrança, entoando a ideia de instrumentalidade trabalhada em diversos trabalhos desta coluna. Além de trazer maior segurança em relação aos bens aptos a garantir os executivos em curso, dependendo do acerto desenhado entre fisco e contribuinte, se somada alguma das hipóteses do artigo 151 do Código Tributário Nacional, é possível vislumbrar a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários também.

Contudo, a viabilidade de utilização desse novel instituto pressupõe a necessária ocorrência do ato de inscrição em dívida ativa. Tal providência, outrora considerada um expediente meramente formal, atualmente ganhou contornos de destaque, representando o marco a partir do qual se torna possível a composição das partes dentro dos limites legais e regulamentares impostos. A oportunidade para a realização do ato de inscrição em dívida ativa, vale lembrar, inicia-se após o crédito tributário tornar-se definitivo no âmbito administrativo, fenômeno esse que, na hipótese de lançamento de ofício, pressupõe o transcurso do prazo de vencimento ou para impugnação administrativa ou o encerramento do processo administrativo tributário, com decisão parcial ou totalmente desfavorável ao contribuinte. Por outro lado, em se tratando de lançamento por homologação, a inscrição do débito em dívida exige o mero vencimento da obrigação.

É preciso asseverar, contudo, que a promoção do ato de inscrição não pode ficar à mercê da vontade do ente tributante. Trata-se, como sói ocorrer de atividade administrativa de natureza vinculada, de ato a ser praticado dentro de limites, temporais inclusive, expressamente estabelecidos em lei. Há de se observar, assim, o preceituado no Decreto-Lei nº 147, de 3/2/1967, que, em seu artigo 22, estabelece o prazo de 90 dias da data em que se tornarem findos os processos ou expedientes administrativos para que as autoridades competentes encaminhem o crédito tributário à Procuradoria da Fazenda Nacional a fim de que inicie o procedimento de cobrança amigável ou judicial da dívida, que se instala (o procedimento) com a promoção do ato de inscrição em dívida ativa. Esse dispositivo estava, por certo, com sua aplicabilidade adormecida até o advento do instrumento de composição de conflito tributário supramencionado, de sorte que, a partir do momento em que o ato de inscrição se tornou condição necessária à instauração dos procedimentos compositivos extrajudiciais tributários, tornou-se premente sua observância.

Trata-se, não há dúvidas, de prazo de natureza peremptória, a ser rigorosamente observado pelo ente tributante de modo a garantir, de um lado, a efetividade da cobrança dos débitos e, de outro, permitir ao contribuinte soluções alternativas de composição de seus litígios e de equalização de suas garantias. A inobservância do prazo em comento pode dar azo, inclusive, à adoção de medidas judiciais voltadas ao cumprimento do dever de inscrição do fisco que, deveras, compreende, um direito do contribuinte, com vistas a permitir ao contribuinte, por exemplo, aderir aos editais de transação lançados para hipóteses e temas específicos. De fato, a omissão injustificada em praticar o ato que deve ser efetivamente promovido pelo fisco, de modo a impedir o contribuinte de quitar seus débitos de forma menos onerosa ou, ainda, promover a calendarização de suas garantias, constitui ofensa flagrante a direito subjetivo do sujeito passivo, legitimando a insurgência do sujeito passivo.

Atenta a isso, a Fazenda Nacional editou, em 26/5/2021, a Portaria PGFN/ME nº 6.155, que reforça a necessidade de observância do prazo de noventa dias para a promoção do ato de inscrição do débito tributário em dívida ativa, sendo certo que o fundamento legal da citada portaria é, justamente, o Decreto-Lei 147/1967. A despeito do acerto quanto à fixação do prazo para a prática do ato de inscrição, o mesmo dispositivo infralegal acima referido estabeleceu que a inscrição do débito deve ser realizada por intermédio do sistema “Inscreve Fácil”, cujo prazo de implementação e adaptação para utilização é de um ano. Nesse contexto, parece-nos evidente que eventual demora na realização da inscrição em dívida ativa decorrente das dificuldades na implementação do sistema “Inscreve Fácil” pode ser extremamente prejudicial ao sujeito passivo, sobretudo no atual contexto da pandemia decorrente da Covid-19, em que muitos contribuintes se encontram inadimplentes ou em mora em relação às suas obrigações tributárias.

O direito do sujeito passivo de aderir aos vigentes programas de composição alternativa de conflitos tributários não pode ser tolhido em razão de expedientes que são de responsabilidade exclusiva dos órgãos fazendários. É direito subjetivo do contribuinte não só que essa inscrição se dê de maneira célere, e dentro do prazo há muito fixado, mas também que eventual omissão das autoridades fiscais não lhe seja prejudicial. Uma vez que a inscrição em dívida ativa dos débitos tributários materializa verdadeiro direito subjetivo do contribuinte e, em virtude da imprescindibilidade da celebração do ato formal como condição para o exercício de direitos pelo contribuinte, é cabível a adoção de medidas judiciais para fazer cumprir o prazo de 90 dias insculpido no Decreto-Lei 147/67.

Fonte: Conjur