O absurdo de se tributar assistência médica e a Súmula 646 do STJ

Recentemente, uma questão tormentosa vem sendo enfrentada aos montes pelos tribunais do país, gerando grave insegurança jurídica. Trata-se da tentativa da Receita Federal do Brasil (RFB) de fazer incidir Contribuições Previdenciárias Patronais (CPP) e Contribuições de Terceiros (Contribuições Sociais do “Sistema S”) sobre despesas custeadas pelas empresas com a assistência à saúde e odontológica dos trabalhadores e que são descontadas da remuneração do empregado.

Os tribunais vinham atendendo ao mandamento expresso da lei até que a questão foi desvirtuada pela RFB por meio de soluções de consulta. Como ressabido, muitas vezes, as soluções de consulta, ao invés de solucionar as dúvidas dos contribuintes e consolidar um entendimento mais consentâneo com os mandamentos de legalidade e de justiça, acabam passando a servir aos interesses meramente arrecadatórios do Erário, funcionando como uma espécie de mecanismo indutor da jurisprudência administrativa e judicial. Foi assim que a jurisprudência que ia se pacificando em uma direção, começou a vacilar.

A Súmula 646 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovada no dia 12 de março de 2021, trata de tema similar e que lança luzes sobre a análise da questão, devendo ajudar a se colocar uma pedra por sobre essas discussões, como se pretende mostrar. A questão diz respeito ao debate acerca da não incidência das CPP e das Contribuições de Terceiros por sobre DESCONTOS destinados ao custeio de assistência médica e odontológica do trabalhador brasileiro.

O imbróglio se formou, sobretudo, com a Solução de Consulta COSIT nº 04/2019, segundo a qual “o valor descontado do trabalhador fez parte de sua remuneração e não pode ser excluído da base de cálculo das CP”. Em outras palavras, o Fisco argumenta que a assistência médica/odontológica custeada por meio de desconto (de coparticipação) é efetuado no próprio salário do trabalhador, portanto, está sujeito à incidência dos tributos referidos.

Como consabido, diversos brasileiros buscam se filiar diariamente a planos de saúde para obter uma assistência de melhor qualidade para sua família. Foi buscando harmonizar as relações entre capital e trabalho que o Direito Tributário Previdenciário pátrio, em boa hora, passou a incentivar as empresas a disponibilizarem para seus empregados assistência médica e odontológica custeada em regime de coparticipação, de forma que parte da despesa é assumida pelo empregador, e parte dela custeada pelo empregado, por meio de dedução em sua folha de pagamento.

O Direito Tributário, assim, cumprindo sua finalidade extrafiscal, passou a favorecer a tributação das empresas (no caso CPP e Contribuição de Terceiros) para que elas passassem a custear a assistência à saúde do trabalhador. Por outro giro, cabe registrar que o benefício tributário alivia o próprio Poder Público do cumprimento de seu dever constitucional de garantir saúde para os cidadãos, como determina o art. 196 da CRFB/1988. Como se sabe, as CPP e as contribuições de terceiros, nos termos do art. 195, I, “a”, da CRFB/1988, recaem sobre a “folha de salários” e sobre os “rendimentos pagos ou creditados” ao trabalhador.

Nesse sentido, o tributo incide apenas sobre a verba paga para o empregado como “contraprestação pelo trabalho”. Ficam, assim, afastadas da possibilidade de incidência da CPP as verbas de cunho não-remuneratório (seja por expressa determinação de lei, seja por se tratar de valores dispendidos “para o trabalho”). A Lei 8.212/91 definiu, em seu art. 22, I, que a CPP deve incidir sobre o total das remunerações pagas aos segurados destinadas a retribuir o trabalho. O § 2º do art. 22 determina expressamente …